Carlos Alves
publicado em 8 de Setembro de 2021
Começámos em Julho esta recolha de pessoas que compõem as novas gerações do Teatro português. Ouvir os vídeos que já temos no arquivo requer disponibilidade e um abrandar o tempo, não devemos, porém, ceder à velocidade da internet e resumir a nossa atenção a coisas que acontecem em breves segundos. Comecei por falar de tempo mas este texto é sobre espaço.
São ainda poucas as conversas disponíveis aqui. Nos próximos meses muitas mais vão aparecer. Mas parece-me importante esta pausa para escrever um pouco sobre o que fomos conversando, não como quem interpreta mas como quem decide pensar sobre o que as pessoas estão a dizer. Ouvimo-nos uns aos outros e isso tem de ter um efeito.
Escolho falar sobre espaço porque resultou haver uma recorrência sobre esta questão. O espaço que estes artistas estão a falar é mesmo o espaço físico mas também o espaço de oportunidade. As duas noções estão intimamente ligadas quando falamos de Teatro e, de resto, é difícil falar de Teatro e não falar de espaço. Se é assim tão importante, não vamos passar por cima do tema.
As novas gerações estão confrontadas com a necessidade de afirmar o trabalho que fazem e isso é, digamos, normal. E precisam de espaço para isso. Reclamam esse espaço, ou melhor, reclamam que, muitas vezes, esse espaço não exista. “Espaço de trabalho é uma coisa um bocadinho estranha no Porto”, afirma Paulo Mota na sua entrevista, e desenvolve: “Porque não faltam espaços mas também não falta quem queira abrir hotéis e airbnb”. E isso tem um efeito: “Há muito pouca gente da minha geração... não há esta vaga, como há em Lisboa, de novos criadores... há muito pouco [no Porto] e acho que há muita gente com muita vontade”. E há companhias que deixaram de existir, conclui Paulo Mota, por falta de espaço. “Está tudo lotado, há muita grua, há pouco espaço”.
Consequências da gentrificação? Talvez sim mas talvez não só.
O Paulo fala da “vaga de novos criadores como há em Lisboa”. O que têm a dizer os artistas que trabalham em Lisboa sobre isso?
Mariana Fonseca considera que “o tecido português, teatral ou artístico, está claramente a renovar”. E explica: “Sem dúvida que há criadores emergentes muito interessantes agora e que marcam uma linha completamente diferente dos nomes que já estavam”.
Mas. É pobre. “Pobre nesta questão de não conseguir chegar a mais pessoas”.
“Podia haver um espaço para tu apresentares o teu trabalho, como é que tu, de facto, chegas a outros públicos. Porque é mesmo muito difícil conseguir um bocadinho de tempo de antena, portanto só consegues chegar a quem te conhece. E às vezes não é mesmo justo”.
Espaço é também atenção dos outros, dar espaço para que o trabalho possa ser mostrado ao público. Volto à atenção de que falava no início deste texto. De facto, os artistas reclamam esse espaço de atenção, querem ser ouvidos porque sabem que só assim o seu trabalho pode chegar a um público maior e mais diversificado.
A luta por atenção, por espaço de atenção, é, no entender de Miguel Mateus, “uma batalha campal... nesta rede de tentar que alguém venha ver um espectáculo ou consiga abrir um email ou ver cinco minutos do vídeo e, por acaso, no meio disto tudo, haver um por cento de hipóteses de gostar daquilo e, de repente, pode surgir uma co-produção para um outro espectáculo; então aí talvez consigamos um apoio”.
O primeiro momento deste processo de arquivo e pesquisa (entre Julho e agora, início de Setembro) incluiu artistas e colectivos bastante jovens. O Lobby Teatro da Mariana Fonseca e da Joana Brito Silva, o Teatroàfaca do Afonso Molinar, a Casa Cheia do Miguel Mateus, o Teatro Efémero, o Teatro Bastardo, a Devagar do Paulo Mota são projectos recém-nascidos (entre 2015 e 2021). E já não são os mais novos a chegar. Também por isso quisemos conhecer o auto-denominado Colectivo Provisório (ainda sem estrutura formal) do Rafael Luís Fragoso e da Marta Lontrão. Fazem todos parte de uma novíssima geração a procurar espaço no Teatro português. Em breve, teremos a presença, no arquivo, de grupos de artistas igualmente jovens mas com mais alguns anos de existência, com mais tempo neste espaço. Trabalhamos dentro do espectro temporal de uma década, por isso há muito ainda para andar.
É, por isso, relevante que se fale muito de espaço entre os/ as artistas. É como se estivessem a dizer: deixem-nos ser e talvez mais gente nos possa conhecer. O espaço que procuram e reclamam surge-lhes como vital. Então, teremos de continuar a falar de espaço. O tecido teatral português não é só constituído por artistas; dele fazem também parte programadores e directores artísticos. Estarão todos a pensar nesta noção de dar espaço? Quantas propostas cabem num espaço? Muitas, poucas, todas iguais, muitas diferentes?
Ainda não é altura de tentar muitas respostas, vou continuar a fazer perguntas.
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