No teatro, ser-se aquilo que se é
- artistasdaemergenc
- 27 de abr.
- 3 min de leitura
Carlos Alves
28.04.2025

Teatro pode ser duro. Não é sobre o número de espectadores, sobre o número de projectores, sobre o código postal do sítio onde o fazemos. O centro da capital é tão importante como o limite de um bairro social. O teatro vive tempos de mercantilização absoluta – os musicais, as ditas comédias, o vazio preenchido com um nada absoluto. É importante que artistas assumam o que querem mesmo fazer. Não dá para ter um discurso e, depois, uma prática completamente diferente.
A prática teatral exige um trabalho diário; na escrita, na leitura, no trabalho do corpo e da voz, das emoções e do pensamento racional. E também na preparação política, isto é, no saber o que somos e o que representamos; no entender que o que estamos a fazer tem impacto, nos nossos espectadores, nos nossos colegas, nos encenadores que trabalham connosco, nos elencos com quem partilhamos espaço, nos autores que escrevem diariamente para que seja possível que surjam ideias de teatro.
A sobranceria perante o lugar dos outros não é positiva, não faz avançar e não respeita quem está ao nosso lado.
É natural que um artista queira estar a actuar perante centenas ou milhares de pessoas. Mas essa é uma decisão das pessoas irem vê-lo a actuar ou não. Um espectáculo colocado em cena tem a intenção de atrair o máximo de espectadores. E só no momento em que acontece se verifica se foram realmente atraídos. As lógicas mercantilistas e neoliberais não se conjugam com esta perspectiva e, portanto, seria natural que, a uma semana da apresentação de um espectáculo, já estivessem todos os bilhetes vendidos e houvesse um movimento de “carinho” nas redes sociais. Pois bem, esta é uma excepção, não é a vida real. Talvez artistas de teatro devam perceber o mundo real, e estar bem com ele, estar em paz com ele. É salutar estar em paz com a realidade, para depois estar-se pleno na arte.
A recente onda de produções teatrais ditas “de grande público” (lá estão as lógicas mercantilistas e neoliberais a ditar as nossas concepções) é avassaladora; desaguou muito depressa e inundou as lógicas artísticas como um tsunami. Há uma preponderância de musicais importados e de comédias (assim classificadas, mas vamos lá ver...!) nas agendas culturais. Há também um vazio teórico e dramatúrgico nessas criações. Não há, contudo, um vazio ideológico, ao contrário do que se tenta fazer crer.
Mas essas não são as únicas propostas. As outras continuam e, no contexto de efemeridade que caracteriza intrinsecamente todo o teatro, essas poderão bem ser as que sobrevivam na memória e na pertinência que farão a história artística do nosso tempo.
Tudo é respeitável na criação artística, desde que nos respeitemos a nós próprios; que saibamos o que estamos a fazer e porque o queremos a fazer assim; desde que não tenhamos um discurso, por um lado, e uma prática, por outro. Não é possível ter-se um discurso pela igualdade e pela fraternidade e, depois, desejar apenas os aplausos da classe média privilegiada; não é possível fazer posts sobre a importância das pessoas no teatro e, depois, deixar as pessoas à porta do teatro; não é possível ser-se uma coisa e ser-se exactamente o seu contrário – nem mesmo no teatro, isso é possível.
No limite, não é possível ser-se artista sem ter uma definição de si próprio. E nenhuma definição é errada, desde que se assuma aquilo que se é. E, no fim, estejam muitos ou poucos, agradecer sempre, enquanto estiverem a bater palmas, agradecer sempre!
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