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"Documentário": o optimismo desencantado dos anos 20 para os 60

Carlos Alves

publicado em 23 de Maio de 2022

(fotografia de Alípio Padilha)



Há várias formas de celebrar um aniversário. Fazer um espectáculo é uma delas. E um espectáculo que “é” um documentário, também. O colectivo SillySeason tem dez anos de existência e o DOCUMENTÁRIO que apresentou no Teatro Meridional, em Lisboa, inserido no certame Temps d' Images, não se propõe documentar esses dez anos. Ele dedica-se a documentar, arquivar, criar uma memória sobre os próximos quarenta.

Quando me sentei para assistir a DOCUMENTÁRIO (no sábado, 21 de Maio) interessava-me ver o que os SillySeason dizem que vão ser os seus cinquenta anos de trabalho artístico. Interessava-me, portanto, assistir a uma grande mentira. Projectar-se em 50 anos quando se fazem 10 é um exercício que seguramente falará mais dos 10 do que dos 50, ou pelo menos, dos 10 de uns e dos 50 de outros; no limite, da realidade teatral portuguesa de uns e de outros. E será que alguém quer documentar isso? Quererá alguém fixar memórias como ídolos, criar pretextos icónicos para a preservação ou destruição de todos os ídolos, de cada geração? No futuro, “eu estava a morrer, eu e os meus ídolos (…) e já ninguém se lembrava deles” e “afinal alguns nunca chegariam a ser vistos e acabariam por gritar de solidão”. Então, a grande mentira pode ser uma imensa verdade porque ela não acontece daqui a quarenta anos, ela aconteceu e está a acontecer, “voltamos ao mesmo, como no início”.

A projecção no futuro (e também na tela - nesse teatro que acolhe o cinema como se sempre tivesse precisado dele) tem tudo de pós... pós-verdade, pós-ficção, pós-geração, pós-pós... há-de haver outros pós para depois de todos os pós. O envelhecimento forçado confronta as rugas que a maquilhagem proporciona com aquelas que só a passagem do tempo permite. E as da maquilhagem falam dos desejos, sonhos e desilusões de uma geração. A “geração dos mitras” (fascinou-me essa expressão mas não sei se a compreendi bem; fascinou-me da forma como a entendi). O espectáculo fala do fim de uma geração e não prevê novas; é optimista a dado momento mas é um optimismo desencantado. Depois de uma viagem de quarenta anos, chegamos à festa dos dez com inquietação. Ficamos a saber - mesmo que seja mentira - que os próximos não vão ser melhores do que os primeiros, ainda que com algumas brechas de esperança – mesmo que seja verdade.

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